terça-feira, 28 de novembro de 2017

Benedito Prezia


O filósofo Benedito Prezia atua nas questões indígenas desde 1983. A partir de 1992 começou a lecionar sobre a História de Resistência Indígena no Curso de formação básica do Cimi.
Em 2001 foi um dos fundadores do Programa Pindorama para indígenas na PUC-SP.
Escreveu várias obras paradidáticas sobre a temática indígena, como Terra à vista, descobrimento ou invasão?
Em 2017 lança pela editora Expressão Popular a obra: HISTÓRIA DA RESISTÊNCIA  INDÍGENA - 500 ANOS DE LUTA. Sobre ela o autor nos concedeu a seguinte entrevista:



                                                                                         Foto: Divulgação

Tecendo em Reverso- Como nasceu a ideia e concepção da pesquisa que deu origem ao livro “HISTÓRIA DA RESISTÊNCIA INDÍGENA - 500 ANOS DE LUTA”?


BENEDITO PREZIA – Em 1986, a pedido do Conselho Indigenista Missionário-Cimi onde trabalhava, surgiu o projeto de se fazer um resgate da História do Brasil na perspectiva indígena. Assim iniciamos o Suplemento Cultural do jornal Porantim, e por dois anos publicamos muitos episódios da luta indígena, como encarte do jornal. Um ano depois participei de outro projeto mais amplo, que era escrever um livro com esse mesmo enfoque. Assim surgiu, em 1989, o livro Essa Terra Tinha Dono (FTD), em parceria com a Cehila Popular-Comissão de História da Igreja da América Latina. Entrei nessa obra como coautor, assumindo a parte etnográfica e Eduardo Hoornaert, um historiador, escreveu a parte histórica. Era uma tentativa mais consistente de mostrar a história do Brasil na perspectiva indígena. Em 2000, por ocasião dos 500 anos de Brasil, foi publicado pela mesma editora uma nova versão, intitulada Brasil Indígena, 500 anos de resistência. Apesar de não aprofundarmos muito nos temas, pois eram obras para o Fundamental II, na época, foram obras de referência. Mas sempre tinha uma vontade de retomar essa história, enfocando as lutas indígenas e não os massacres e o genocídio.  Dessa forma, propus ao jornal Porantim que fossem publicados episódios de resistência, em textos curtos e num formato jornalístico. Havia me inspirado em Eduardo Galeano, o grande escritor uruguaio, autor de Memórias de Fogo, que traz episódios com igual formato. Ao longo de nove anos resgatei episódios históricos de luta e resistência que perpassaram toda a história do Brasil. Com o tempo, achei que esses textos poderiam formar um livro e eis que saiu a presente obra.


Tecendo em Reverso – A história oficial apresentada nas escolas por uma ótica muito específica e marcadamente ideológica nos livros didáticos tem apresentado a “conquista” da América sob a égide dos vencedores, e muito pouco tem se debatido o banho de sangue e, consequente extermínio do povo indígena. Como você trata esta questão no seu livro?


BENEDITO PREZIA – A História sempre foi escrita pelos vencedores e uma mudança de foco ocorrerá quando a sociedade brasileira mudar também. Foi para contribuir com essa mudança que escrevi este livro. Percebi que quando o indígena aparece na História ou é de modo tangente, um acessório – sem nome e sem passado –, ou em massacres e mortes. Diz-se que o indígena aparece na TV somente quando há sangue. Mesmo assim é mais focada a violência do indígena, que reage, e não a violência dos donos do poder. Privilegiei episódios em que os indígenas são protagonistas e não apenas vítimas. Ainda há muito que se pesquisar e muito a escrever. Creio que, com o tempo, poderá sair um segundo volume, pois as lutas são muitas e a resistência aparece de várias maneiras.


Tecendo em Reverso- Na sua obra fica clara a participação dos padres nas chacinas indígenas. De que maneira a presença jesuítica no Brasil induz através da religião o processo do que podemos chamar aqui superficialmente de “aculturação”, extrapolando para a dizimação de tribos inteiras?


BENEDITO PREZIA – Os padres, especialmente os jesuítas tem um papel grande na história indígena, pois o rei de Portugal confiou-lhes a chamada “civilização”. Isso fazia parte do processo de conquista. Infelizmente em séculos anteriores, a Igreja católica ainda não tinha “se convertido” e feito uma autocrítica sobre a prática catequética. O que ocorreu devido a essa ação missionária, pode ser classificado  como etnocídio, isto é, a destruição de uma cultura. Mesmo assim foram os jesuítas – não todos – os que mais defenderam os indígenas nos três séculos de conquista colonial. Por isso foram expulsos várias vezes – do Pará, Maranhão e São Paulo –, sendo definitivamente expulsos do Brasil em 1759. No Paraguai os Guaranis defenderam com armas na mão as missões, pois se sentiam participantes daquela experiência de colônia. Entretanto foi o único momento em que os indígenas, de forma grupal, tomaram a defesa dos padres. O fim foi igual: destruição da missão e expulsão dos missionários. A Igreja católica só mudou sua prática missionária após o Concílio Ecumênico Vaticano II, nos anos de 1960, quando ocorreu a fundação  do Conselho Indigenista Missionário-Cimi, que apresentou outra maneira de estar com os indígenas, lutando pela terra e pela preservação da cultura.

                                                                                     Foto: Divulgação

Tecendo em Reverso – Há muito vem se destacando e heroicizando no Brasil a figura dos bandeirantes num claro processo de desconhecimento histórico. Ao seu ver qual foi o papel real de Raposo Tavares na ofensiva em relação aos povos indígenas?


BENEDITO PREZIA – No Brasil critica-se muito a ação da Igreja católica, mas pouco se fala da ação destruidora de um grupo de paulistas, chamados de bandeirantes. Não só foram poupados pela História brasileira, mas tornaram-se heróis em São Paulo. Basta ver o nome das rodovias paulistas, através das quais se descobrem as rotas usadas nas expedições escravistas. Para homenagear a todos, o governo de São Paulo denominou uma das principais rodovias de Bandeirantes e designou o palácio oficial com o nome desses traficantes de escravos. É uma ofensa à memória de tantos indígenas escravizados e mortos ao longo de 300 anos. Só agora, graças às redes sociais – e não à escola –, a juventude paulistana está sendo bem crítica neste ponto e basta ver as manifestações em apoio aos Guaranis ocorridas nesses últimos dois anos, com pichação de vermelho no monumento às Bandeiras.


Tecendo em Reverso – Na sua obra você destaca nomes importantes no movimento de resistência indígena no Brasil como: Ângelo Kretã, Marçal Guarani, Maria Tatatxi, entre outros. Como você vê a luta indígena neste momento infeliz pelo qual passamos hoje no Brasil? Como atuam os movimentos contemporâneos?



BENEDITO PREZIA – A história de resistência continuou no século XX, sobretudo na época da ditadura militar, onde aparecem os nomes citados acima. Já com apoio do Cimi, os indígenas começaram a realizar suas assembleias e a ter projetos mais autônomos, que resultou nos avanços encontrados na Constituição de 1988. É uma história de sangue, pois muitas lideranças morreram, mas sua morte serviu de exemplo de luta para as gerações mais jovens. Hoje a situação dos indígenas está muito frágil, devido à política do atual governo que é formado por uma grande base de parlamentares ligados ao agronegócio. O mais triste é ver o desmonte da Funai, quando os indígenas veem um militar na presidência do órgão e a perda de muitas conquistas obtidas com anos de luta. Mas esses povos estão acostumados a resistir. Por isso terminei o livro com uma frase, de uma faixa que havia das manifestações por ocasião dos 500 anos de Brasil: Reduzidos sim, vencidos nunca.

quarta-feira, 16 de agosto de 2017

Luiz Bernardo Pericás

Aproximando a historiografia do Marxismo, Caio Prado Júnior (1907-1990) encontrou no Brasil colonial muitas respostas para que viéssemos a entender a contemporaneidade.
Em Formação do Brasil Contemporâneo escreveria: “As devassas da justiça colonial, que os acontecimentos políticos tornam frequentes desde fins do século XVIII, desvendam-nos os segredos das principais bibliotecas particulares que então havia na colônia, e que, sequestradas e arroladas, chegaram até nós nas páginas amarelecidas e roídas de traça dos autos. A literatura francesa, e só ela no que diz respeito a filósofos, moralistas, políticos, está aí abundantemente representada”.
Considerado um dos maiores intérpretes do Brasil, Caio Prado Júnior teve sua “biografia política” recentemente escrita por Luiz Bernardo Pericás.
Luiz Bernardo Pericás é formado em História pela George Washington University, doutor em História Econômica pela USP, pós-doutorado em Ciência Política pela FLACSO (México), onde foi professor convidado e pelo IEB/USP. Foi também Visiting Scholar na University of Texas at Austin e Visiting Fellow na Australian National University, em Camberra. É autor de vários livros, como Mystery Train (São Paulo, Brasiliense, 2007) e do romance Cansaço, a longa estação (São Paulo, Boitempo, 2012; adaptado recentemente para o teatro pelo diretor uruguaio Hugo Rodas; a peça, intitulada Punaré e Baraúna, ganhou quatro prêmios Sesc), entre outros. Recebeu a menção honrosa do Prêmio Casa de las Américas em 2012 por seu livro: Os cangaceiros: ensaio de interpretação histórica (São Paulo, Boitempo, 2010; Havana Editorial Ciencias Sociales, 2014). Ganhador do Prêmio Ezequiel Martínez Estrada, da Casa de las Américas (2014), pelo livro Che Guevara y el debate económico en Cuba (Nova Iorque, Atropos Press, 2009; Buenos Aires, Corregidor, 2011; Havana, Fondo Editorial Casa de las Américas, 2014). Traduziu obras de Slavoj Zizek, James Petras, Christopher Hitchens, Jack London, John Reed e José Carlos Mariátegui. Seus trabalhos foram publicados em diferentes países, como Argentina, Perú, Itália, Espanha, México, Estados Unidos e Cuba. Seu livro mais recente é Caio Prado Júnior: uma biografia política lançado pela Boitempo Editorial em 2016, com o qual ganhou o Prêmio Juca Pato de intelectural do ano, concedido pela União brasileira de Escritores (UBE). É professor de História Contemporânea da Universidade de São Paulo.
     
Conversamos com o pesquisador sobre Caio Prado Júnior: uma biografia política.

Confiram:


                                                                                        Fonte: Arquivo pessoal do pesquisador.



Tecendo em Reverso: O denominado “breve século XX” deu ao mundo alguns pensadores lúcidos, dentre eles: Caio Prado Júnior. Quais as motivações que o levaram a escrever esta biografia?

LUIZ BERNARDO PERICÁS – O Brasil vive um momento sombrio, especialmente após o golpe institucional de 2016.  Ao longo de todo o século XX nosso país viu gerações de intelectuais progressistas se esforçando para interpretar a realidade nacional e apontar os possíveis caminhos de desenvolvimento, a partir de um projeto popular, democrático, autônomo e, em última instância, socialista.  Homens como Nelson Werneck Sodré, Carlos Marighella, Florestan Fernandes, Ruy Mauro Marini e tantos outros (mesmo com posições políticas e militância bastante distintas) se dedicaram a estudar, debater e construir teorias para fazer avançar a “revolução brasileira”.  Alguns foram exilados, presos e até mesmo assassinados ao longo deste processo.  É preciso retomar as discussões sobre nosso passado, dar ênfase ao trabalho teórico e resgatar aqueles pensadores (assim como outros latino-americanos, como José Carlos Mariátegui, Carlos Baliño, Julio Antonio Mella e Che Guevara, por exemplo).  Nesse sentido, Caio Prado Júnior é um autor fundamental, sem dúvida um dos mais importantes historiadores brasileiros.  Estudar sua vida e obra (contextualizando sua atuação e mostrando o escopo de suas ideias) torna-se fundamental para entendermos quem somos hoje e o que podemos ser no futuro.  Há vários livros sérios sobre CPJ, de fato.  Ainda assim, percebi diversas lacunas biográficas, além de análises sobre suas posições que me pareciam distorcidas.  Muitos trabalhos sobre o historiador paulista não se baseavam em documentos e simplesmente repetiam informações e abordagens recorrentes.  Achei importante, portanto, construir meu texto a partir de um enorme acervo documental, depoimentos e vasta bibliografia.  Desta forma, teria condições de dar uma contribuição inovadora, original, que pudesse ir além do que outros autores haviam se proposto a realizar.  Além disso, há o aspecto pessoal.  Caio Prado Júnior era meu tio-bisavô.  Uma biografia política seria, por certo, uma bela homenagem a ele (sem contar com a possibilidade de utilizar um volume significativo de documentos, ainda inéditos, em acervos de família).  Isso tudo me daria condições de produzir um livro distinto da maioria disponível ao grande público.             


Tecendo em Reverso: As biografias modernas muitas vezes resvalam na apreciação dos comezinhos da personalidade. De que forma o aspecto “político” da biografia escrita por você expressa o posicionamento ideológico de Caio Prado Júnior?

LUIZ BERNARDO PERICÁS – De fato, evitei discutir a vida íntima ou aspectos “psicológicos” de Caio Prado Júnior.  Dentro das possibilidades, coloquei o foco nas relações dele com o PCB, seu diálogo com intelectuais marxistas contemporâneos, suas viagens a países como União Soviética, China e Cuba.  Ou seja, em grande medida, os vínculos de CPJ com o “mundo do socialismo”.  Esta era uma vertente que ainda precisava ser mais discutida, quase relegada a um segundo plano por outros autores que escreveram sobre o historiador paulista.  Mais uma vez, insisto, o objetivo era entender Caio Prado Júnior dentro da conjuntura política de seu tempo, suas leituras, suas experiências de vida, suas relações partidárias, seu tempo na prisão, suas amizades, seu exílio, para poder compreender, em seguida, suas elaborações teóricas.  As relações pessoais, íntimas, amorosas, não me pareceram tão pertinentes neste caso.  Nem os supostos traços de personalidade.  Em outras palavras, o livro pode ser visto como uma biografia de Caio Prado Júnior, mas também como uma “biografia” de toda uma época. 


Tecendo em Reverso: O seu livro traz as polêmicas entre Caio Prado e o PCB na década de 60 do século XX. Quais as ideias encampadas pelo pensador contrastantes com as orientações do “Partidão”?

LUIZ BERNARDO PERICÁS – Caio sempre esteve envolvido em polêmicas com o PCB, desde seu ingresso, no começo da década de 1930.  Seria criticado tanto por sua origem de classe como por suas ideias.  Em 1932, por exemplo, o Comitê Regional do partido em São Paulo chegou a acusá-lo de defender ideias trotskistas, de ter proximidade com militantes daquela tendência e de pensar em dar um “golpe de Estado” dentro da agremiação.  As ideias de CPJ também eram bastante distintas às defendidas pelo PCB em relação à interpretação da realidade brasileira.  Ou seja, em vários artigos e livros (culminando em seu A revolução brasileira, de 1966), o historiador se mostraria crítico à concepção de que existiria uma “burguesia nacional anti-imperialista”; atacaria o “reboquismo” pecebista em relação a alguns governos; e não admitiria as teses sobre a existência do “feudalismo” ou “resquícios feudais” na estrutura agrária brasileira.  Ainda assim, permaneceu no partido até o fim da vida.  Foi deputado estadual pelo PCB (defendendo seu programa na tribuna), tinha vários amigos dentro da agremiação e foi, como o resto do partido, um defensor e admirador da União Soviética em diferentes momentos, inclusive apoiando sua política de “coexistência pacífica”.  Vale lembrar que suas duas viagens para a URSS resultaram em livros extremamente favoráveis àquele país. 


                          Foto: Divulgação.



Tecendo em Reverso: Em Formação do Brasil Contemporâneo Caio Prado Júnior procura no Brasil Colonial as razões da formação da nação. Em que medida os pressupostos do pensador traçam a problemática da vida social brasileira?

LUIZ BERNARDO PERICÁS – Caio Prado Júnior fará uma análise pioneira e sofisticada da nossa realidade.  Mostrará o desenvolvimento econômico do país, a construção do Estado brasileiro e o papel do escravismo.  Mostrará as características da burguesia endógena, o papel do imperialismo em nosso território, os surtos de industrialização, a questão agrária, a necessidade de transição de nosso passado colonial para a construção da Nação, o papel que deve assumir o setor inorgânico de nossa economia, o processo da Colônia ao Brasil independente (passando pela monarquia e República Velha), indicando, finalmente, as características do capitalismo no país de sua época.  O sentido da colonização (tantas vezes discutido por ele) e a persistência de traços coloniais nas relações econômicas e sociais, são elementos fundamentais para entendermos a lógica de funcionamento do país e sua inserção no mercado internacional.  Em outras palavras, Caio Prado Júnior tratará de uma diversidade de temas entrelaçados, buscando compreender os fatores políticos e econômicos em nosso processo histórico e, portanto, traçando a problemática da vida nacional em seus diversos aspectos. 




terça-feira, 1 de agosto de 2017

Vera Lucia Martiniak

 Vera Lucia Martiniak é graduada em Comunicação Social pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (1993) e em Pedagogia pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (1998). Possui mestrado em Educação pela mesma Universidade (2003) com doutorado também em Educação pela Universidade Estadual de Campinas –UNICAMP. Atua como professora de Pós-Graduação na UEPG e é membro do grupo HISTEDBR.
Em sua pesquisa no pós-doc sob orientação do Prof.Dr. José Claudinei Lombardi na UNICAMP a pesquisadora debruçou-se sobre a temática das escolas étnicas na província do Paraná. Confiram:




                                                                          Foto: Arquivo pessoal da pesquisadora.


Tecendo em Reverso – Quais as demandas que a levaram a ter como objeto de pesquisa no pós-doc: “Trabalho, educação e imigração: Constituição das escolas étnicas na província do Paraná”?


VERA LUCIA MARTINIAK – Primeiramente, a intenção de pesquisa originou-se pela continuidade e aprofundamento das pesquisas desenvolvidas pelos pesquisadores do HISTEDBR – GT Campos Gerais, PR, que tem focado suas pesquisas nos últimos anos sobre a história das instituições escolares, nas quais têm convergido para alguns temas em comum, tais como: imigração, escravidão e educação pública. Para tanto, os pesquisadores têm utilizado diversas fontes para o desenvolvimento dos seus estudos, desde a imprensa até documentos oficiais e cartas pessoais.
A partir disso, por meio de análise da historiografia, tanto regional quanto nacional, apontou-se para a necessidade de investigar com mais profundidade a relação entre o trabalho livre e assalariado, a educação e a criação das escolas étnicas, subvencionadas e particulares, para atendimento da população imigrante. O Paraná recebeu um número significativo de imigrantes de diferentes etnias que se organizaram para se manterem na província, porém, essa temática ainda é pouco abordada nos estudos dos pesquisadores. Essa questão suscitou a inquietação em compreender os motivos que levaram a constituição das escolas étnicas na Província do Paraná a partir de novos parâmetros impostos pelo setor produtivo e a ausência do poder público para a criação e manutenção de instituições escolares para atendimento da população brasileira e imigrante. Diante da omissão do governo os imigrantes organizaram-se nas colônias para oferecer a instrução primária para seus filhos.
Muitas escolas criadas pelos imigrantes mantêm-se em funcionamento até os dias de hoje e são referência, histórica e educacional, para a sociedade brasileira.  
   


Tecendo em Reverso- Diante do caráter ideológico vigente à época delimitada por sua pesquisa. Como se deu a compreensão da institucionalização das escolas de imigrantes?


VERA LUCIA MARTINIAK – Os imigrantes, como em sua terra de origem, consideravam que as autoridades deveriam prover a população com a oferta de ensino público nos núcleos coloniais. Entretanto, diante do quadro educacional paranaense desanimador, eles criaram as suas próprias escolas, responsabilizandose pela instalação e manutenção, tanto do professor quanto da estrutura escolar. Cabe destacar ainda, que as escolas criadas pelos imigrantes atendiam também a população brasileira que residia próximo das colônias.


Tecendo em Reverso- O que caracterizou a inserção do imigrante europeu no sistema produtivo brasileiro?


VERA LUCIA MARTINIAK – A imigração europeia ocorreu devido a expropriação dos meios de produção dos trabalhadores na Europa e o consequente descontentamento da população que ocasionou a saída de grande parte da população para outras regiões do continente e do ultramar. Entretanto, muitos foram iludidos e enganados com falsas promessas e propagandas que prometiam terras, acesso à condições e bens materiais. Ao chegarem nas terras brasileiras não lhes restava outra alternativa que não fosse a venda de sua força de trabalho. Muitos precisaram submeter-se aos contratos de parceria com latifundiários que causaram endividamento ou ainda, aceitar o trabalho assalariado nos centros urbanos.
A necessidade do emprego da força de trabalho nas lavouras de café fez com que o Brasil se tornasse destino dos imigrantes europeus, porém, no Paraná, o processo de absorção desses imigrantes visou o abastecimento do mercado interno com a produção de gêneros de primeira necessidade. A vinda de imigrantes significou a diversificação de usos de instrumentos e técnicas na produção agrícola, com estímulo à economia para o mercado interno de gêneros alimentícios e também, como pano de fundo, o branqueamento da população brasileira.


Tecendo em Reverso – Como delineava-se ao final do século XVIII a situação educacional na província paranaense e de que forma este contexto influenciou as novas propostas?


VERA LUCIA MARTINIAK – Depois da emancipação da Comarca de São Paulo, a educação na Província do Paraná encontrava-se em estado precário. Até então, por ser uma extensão da economia paulista, a relação com a Comarca, devido à distância, era de descaso e negligência com as necessidades do interior. Apenas uma minoria da população frequentava os cursos de primeiras letras, o ensino secundário era praticamente inexistente e o pouco que havia em Curitiba atendia a demanda local e do interior da Província. A máquina administrativa recém constituída foi representada por homens que se dedicavam ao comércio, e um dos desafios dessa elite foi atrair os governados para sua administração. A instrução pública foi utilizada para chamar a atenção da população, pois além de o governo conquistar maior visibilidade por meio da educação, teria também mão-de-obra com melhor formação.
A situação educacional da província era extremamente difícil, pois, sofria com a ausência de professores e escolas, e essa carência preocupava as autoridades locais, pois a população crescia e necessitava de uma educação escolarizada. Existiam poucas unidades escolares, tanto no que se refere ao ensino de primeiras letras como ao ensino de nível secundário. Um outro aspecto que merece atenção diz respeito à infraestrutura desse ensino. Como as escolas não tinham prédios próprios para a realização das aulas, a solução encontrada foi mantê-las em casas alugadas pelo Estado.


Tecendo em Reverso- Na sua pesquisa lemos: “É perceptível o caráter elitista e discriminatório na educação brasileira, o ensino trazia resquícios da época de sua implantação, ou seja, era voltado para o atendimento da elite, sem nenhum compromisso com as classes populares, principalmente filhos de escravos e imigrantes”. De que forma esta perspectiva se desdobra na atualidade brasileira?



VERA LUCIA MARTINIAK – Do ponto de vista educacional, as políticas públicas implementadas no país tornam visível um processo dualista que se configura na exclusão da classe trabalhadora e no impedimento do acesso ao conhecimento necessário para a emancipação dos indivíduos. As políticas educacionais necessitam ser coerentes com uma educação pública e de qualidade e para tanto, a educação não deve ser utilizada, como vem acontecendo historicamente, para agravar e perpetuar uma sociedade de classes na qual o modo de produção material continua centralizado nas mãos de poucas pessoas.

quinta-feira, 20 de julho de 2017

Anita Leocadia Prestes

Em Curso do mundo o poeta alemão Heinrich Heine (1797-1856) escreveu:
Quem tem muito,logo,logo,
Muito mais vai ter ainda.
Quem tem pouco, até o pouco
Perde e fica na berlinda.
Contemporâneo de Karl Marx (1818-1883) o “último dos românticos” soube bem dissecar em sua poética o traço amargo característico dos exploradores.
Nesta mesma Alemanha nasceria em 1908 a futura líder comunista Olga Benario, posteriormente Olga Benario Prestes. A juventude na República de Weimar burilou seu senso de luta e a fez encampar a revolução proletária. Veio ao Brasil junto com o também comunista Luiz Carlos Prestes. Em 1936 foi extraditada para a Alemanha nazista, à época grávida.
Anita Leocadia Prestes (filha de Olga e Luiz Carlos) é graduada em Química Industrial na Escola Nacional de Química da antiga Universidade do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Em 1966 recebeu o título de mestre em Química Orgânica.
Sua atuação política clandestina no Partido Comunista Brasileiro (PCB) fez com que a pesquisadora sofresse perseguição por parte do regime militar brasileiro. Assim sendo, exilou-se na extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) em 1973.
Em 1975 doutorou-se em Economia e Filosofia pelo Instituto de Ciências Sociais de Moscou.
Em 1979 volta ao Brasil. Anita durante muitos anos foi assessora de seu pai atuando nas lutas políticas.
Atualmente a pesquisadora é professora do programa de pós-graduação em História comparada na UFRJ.
Ao Tecendo em Reverso a autora falou sobre a temática do seu mais novo livro lançado pela Boitempo Editorial: Olga Benario Prestes: Uma comunista nos arquivos da Gestapo.



                                                                                                   
                                                                                                                                    Foto: Arquivo pessoal da pesquisadora.


Tecendo em Reverso – Desde o domínio pelos soviéticos dos dossiês da Gestapo em 1945 a comunidade acadêmica não tinha notícias de detalhes relevantes sobre a Alemanha nazista. Como se deu o processo de consulta destes documentos disponibilizados em 2015 para a escrita deste livro?

ANITA LEOCADIA PRESTES – Essa documentação atualmente está disponível na Internet, o que me permitiu consultá-la e, após sua tradução do alemão, trabalhar com ela, chegando a produzir o livro “Olga Benario Prestes: uma comunista nos arquivos da Gestapo” publicado recentemente pela editora Boitempo.

Tecendo em Reverso - Olga Benario foi uma jovem excepcional para sua época. De que forma sua atuação política fomentou a luta numa Alemanha tomada pela efervescência da República de Weimar?

ANITA LEOCADIA PRESTES – Olga Benario Prestes foi uma jovem que encarnou em grande medida os anseios da juventude trabalhadora da Alemanha nos anos 1920. Influenciada pelo ambiente revolucionário então presente nesse país, Olga tornou-se uma comunista atuante e disposta a dar a vida pela revolução socialista.

Tecendo em Reverso – Num momento politicamente complicado da história brasileira Olga Benario foi extraditada para a Alemanha de Hitler. Qual a sua análise hoje das justificativas políticas que desencadearam esta atitude nefasta por parte do governo brasileiro?

ANITA LEOCADIA PRESTES – Em 1936, após a derrota dos levantes antifascistas de novembro de 1935, o governo de Getúlio Vargas desencadeara violenta repressão contra todos os democratas e antifascistas, incluindo os comunistas. Meus pais, Luiz Carlos Prestes e Olga Benario Prestes, foram presos e, enquanto Prestes era mantido incomunicável no Rio de Janeiro, Olga foi extraditada para a Alemanha nazista no sétimo mês de gravidez, medida ilegal e que teve como objetivo principal submeter meu pai à tortura psicológica.

Tecendo em Reverso – A prisão de Olga desencadeou uma série de movimentos ancorados na luta pela libertação dela e, posteriormente pela sua também. De que forma este apelo internacional mobilizou as autoridades alemãs?

ANITA LEOCADIA PRESTES – Após a prisão dos meus pais, iniciou-se campanha internacional pela libertação dos presos políticos no Brasil, encabeçada por minha avó paterna Leocadia Prestes. Na medida em que Olga e Elise Ewert foram extraditadas para a Alemanha e, depois, deu-se o meu nascimento numa prisão de Berlim, a campanha se estendeu a nós. Sua importância foi enorme para melhorar as condições carcerárias tanto dos presos no Brasil quanto de Olga e Elise na Alemanha e, principalmente, para garantir a minha libertação quando tinha 14 meses de idade.

Tecendo em Reverso – Segundo algumas pesquisas o judiciário de Weimar mantinha características parciais em relação aos julgados. Para a elite todos os benefícios possíveis e para a classe trabalhadora e a esquerda todas as penas cabíveis com requinte de crueldade. Esta situação desdobra-se agora em vários países. Qual a sua avaliação sobre o judiciário brasileiro na atualidade? Quais as mudanças ocorridas da época de Olga até hoje?


ANITA LEOCADIA PRESTES – Quando Olga foi presa no Brasil e estava ameaçada de extradição para a Alemanha, o Supremo Tribunal Federal rejeitou o pedido de habeas-corpus impetrado pelo seu advogado. Penso que hoje o judiciário brasileiro não atua de maneira muito diferente do que naquela época, o que nos revela o perigo permanente do autoritarismo e das tendências fascistas presentes no mundo atual. 



                                                                               Foto: Divulgação

segunda-feira, 26 de junho de 2017

Edital para contratação - Revista HISTEDBR On-line.

Edital para contratação de um(a) estagiário(a) para atuar na revista HISTEDBR On-line.
As inscrições são de 27/06/17 a 07/07/17.

EDITAL 01/2017
EDITAL DE ABERTURA DO PROCESSO SELETIVO PARA ESTAGIÁRIO PARA ATUAR NA REVISTA HISTEDBR ON-LINE
O GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL” – HISTEDBR da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de campinas – UNICAMP, faz saber que estão abertas, no período de 27/06/17 a 07/07/17, as inscrições do Processo Seletivo para o preenchimento de 01 (uma) vaga de estágio, bem como de outras que surgirem no prazo de validade da seleção.
1. Requisitos para a Inscrição
1.1. Ser estudante de curso superior de Biblioteconomia e/ou Ciência da Informação, em Instituição de Ensino Superior Oficial ou reconhecida pelo MEC, e que no 1º semestre do ano de 2017 esteja cursando a partir do 3º semestre de seu curso.
2. Inscrição
2.1. O requerimento de inscrição que se encontra no anexo I deste edital, deverá ser preenchido, assinado pelo candidato e protocolado no Recursos Humanos da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas – FE/Unicamp, localizado no endereço Av. Bertrand Russel, 801, Cidade Universitária Zeferino Vaz, Distrito de Barão Geraldo, no período de 27/06/17 a 07/07/17, nos dias úteis, no horário compreendido entre 14:00 e 17:00.
2.2. O candidato deverá anexar ao requerimento de inscrição os seguintes documentos:
2
a) Cópia de documento de identidade com foto;
b) Comprovante de matrícula do semestre atual no referido curso.
2.3. Antes de efetuar a sua inscrição, o candidato deverá conhecer o edital de
abertura de inscrições e certificar-se de que preenche todos os requisitos exigidos.
2.4. A inscrição do candidato implicará no conhecimento e na tácita aceitação das
normas e condições estabelecidas neste edital, em relação às quais não poderá
alegar qualquer espécie de desconhecimento.
3. Características do Estágio
3.1. O estagiário cumprirá jornada de 30 (trinta) horas semanais, de segunda à
sexta-feira (máximo 5 dias na semana), em horário a combinar, desempenhando as
seguintes atividades: seleção de pareceristas e distribuição no sistema gerenciador
da revista; secretariar a revista com os manuscritos recebidos no sistema da revista;
editoração eletrônica de periódicos; publicação e administração dos fascículos no
sistema da revistas; digitação e expedição de declaração aos autores e pareceristas;
alimentação de metadados dos artigos publicados; serviços de indexação e
manutenção nas bases de dados e diretórios em que a revista está indexada.
3.2. O estagiário receberá, a título de bolsa, a importância mensal de R$ 902,14
(novecentos e dois reais e quatorze centavos) e auxílio transporte 7,60 (sete reais e
sessenta centavos) por dia de efetiva atividade.
3.3. O estágio terá prazo inicial de 01 (um) ano, podendo ser prorrogado por igual
período, e não podendo ultrapassar o prazo máximo de 02 (dois) anos, exceto
quando se tratar de estagiário portador de deficiência.
3.4. Em caso de estágio obrigatório, o prazo máximo do estágio será de 01 (um)
ano, sem prorrogação.
4. Procedimento de seleção
4.1. A seleção do estagiário será realizada em duas etapas:
a) A primeira etapa consistirá da análise dos requerimentos de inscrição, sendo que
somente os candidatos habilitados – que atendam aos requisitos do item 1.1
deste edital – serão convocados para a segunda etapa.
3
b) A segunda etapa consistirá de entrevista que será realizada de forma presencial e individual, em data, horário e local a serem informados, por email a cada candidato habilitado, quando da convocação dos candidatos habilitados.
4.2. A nota final corresponderá à nota da entrevista.
4.3. Os candidatos habilitados serão classificados de acordo com a nota final.
4.4. A convocação obedecerá à rigorosa ordem de classificação
4.5. Os Editais do Processo Seletivo serão divulgados no Site do GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL” – HISTEDBR (http://www.histedbr.fe.unicamp.br/).
5. Disposições Finais
5.1. O estagiário não cria vínculo empregatício de nenhuma natureza com a Universidade ou com o Grupo de Pesquisa HISTEDBR e sua realização dar-se-á mediante Termo de Compromisso firmado entre o(a) estudante e o Grupo de Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil” – HISTEDBR, com mediação da Fundação de Desenvolvimento da Unicamp – FUNCAMP.
5.2. Ocorrerá a extinção do estágio:
a) Automaticamente, ao término do período estabelecido no Termo de Compromisso, se não houver prorrogação pelo Grupo HISTEDBR.
b) A qualquer tempo, por conveniência e oportunidade do Grupo HISTEDBR.
c) A pedido do estagiário.
5.3. O estágio terá início em agosto de 2017.
5.4. A seleção terá validade de 01 (um) ano, a contar da data de divulgação do edital de classificação final.
5.5. Dúvidas referentes a esse processo Seletivo poderão ser esclarecidas através do email histedbr@unicamp.br.
Campinas, 26 de junho de 2017.
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REQUERIMENTO DE INSCRIÇÃO – EDITAL 01/2017 – HISTEDBR/FE/UNCIAMP Requerimento de Inscrição no ___________________ Ao Grupo de Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil” – HISTEDBR, da Faculdade de Educação da Unicamp Eu, _______________________________________________________, portador(a) da Cédula de identidade RG no _______________________, residente e domiciliado(a) a _________________________________________________________________________________________________________________________________________, email ______________________________________________________________, aluno(a) regularmente matriculado(a) no _________ semestre do curso de ____________________________________________________________________, no horário das _______________ às _______________, da _____________________________________________________________________, requeiro minha inscrição para o Processo Seletivo para Estagiário(a) para atuar na Revista HISTEDBR On-Line do Grupo de Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil” – HISTEDBR da FE/Unicamp. Campinas, _____ de _____________________ de 2017. ____________________________________ ____________________________________ Assinatura do candidato Assinatura do responsável pela inscrição ...................................................................................................................................... REQUERIMENTO DE INSCRIÇÃO – EDITAL 01/2017 – HISTEDBR/FE/UNICAMP PROCESSO SELETIVO PARA ESTAGIÁRIO PARA ATUAR NA REVISTA HISTEDBR ON-LINE GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÕ NO BRASIL” – HISTEDBR Nome do candidato: ________________________________________________________ Requerimento de Inscrição no ________________________ Recebido em: ________/________/_________ Nome do recebedor: ____________________________________________

terça-feira, 11 de abril de 2017

FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO: compreensões e contribuições.

Na abertura das atividades de 2017 no Tecendo em Reverso divulgamos o livro: FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO: compreensões e contribuições. Nele os autores traçam um percurso histórico sobre educação como “fenômeno social”. Um sólido exercício de resistência para os dias de luta.






terça-feira, 29 de novembro de 2016

DOUGLAS CHRISTIAN FERRARI DE MELLO



DOUGLAS CHRISTIAN FERRARI DE MELLO É DOUTOR EM EDUCAÇÃO NO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO. FEZ MESTRADO EM HISTÓRIA, TAMBÉM PELA Ufes. ATUALMENTE É PROFESSOR EFETIVO DA PREFEITURA MUNICIPAL DE VILA VELHA. O PESQUISADOR TRABALHA COM QUESTÕES DAS ÁREAS LIGADAS À EDUCAÇÃO ESPECIAL E EM CONSULTORIAS, CURSOS E PALESTRAS SOBRE O TEMA.
COM PROBLEMAS DE BAIXA VISÃO DESDE A INFÂNCIA, VEIO DEPOIS DE ADULTO  A PESQUISAR O ASSUNTO COM A TESE: “ENTRE A LUTA E O DIREITO: POLÍTICAS PÚBLICAS DE INCLUSÃO ESCOLAR DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA VISUAL”.



                                                                      Foto: Arquivo pessoal do pesquisador.

CONFIRAM A ENTREVISTA:

TECENDO EM REVERSO - COMO VOCÊ COADUNA EM SUA TESE AS RELAÇÕES ENTRE ESTADO, DIREITOS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS ENFATIZANDO A EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL?


DOUGLAS CHRISTIAN FERRARI DE MELO – A CONCEPÇÃO DE ESTADO AMPLIADO DE GRAMSCI FORNECEU AS BASES QUE NORTEARAM O ESTUDO SOBRE OS DIREITOS SOCIAIS E AS POLÍTICAS PÚBLICAS. ASSIM, O ESTADO E, DESSA FORMA, OS DIREITOS SOCIAIS E AS POLÍTICAS PÚBLICAS SÃO O RESULTADO DO EMBATE ENTRE GRUPOS, CLASSES E/OU FRAÇÕES DE CLASSES DISTINTAS EM DISPUTA PELA INSCRIÇÃO DE SEUS PROJETOS NA “VIDA ESTATAL”. DESSA FORMA, OS DIREITOS GARANTIDOS EM LEI SÃO EXPRESSÕES DAS DEMANDAS FORMULADAS PELA SOCIEDADE EM UM DETERMINADO PERÍODO HISTÓRICO. APÓS OS DIREITOS SEREM POSITIVADOS, É NECESSÁRIO DAR O PRÓXIMO PASSO NO CAMPO DA LUTA, OU SEJA, A IMPLEMENTAÇÃO POR MEIO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS. NESSE SENTIDO, EM CONSONÂNCIA COMO O REFERENCIAL TEÓRICO, OS DIREITOS SOCIAIS SURGEM A PARTIR DAS LUTAS SOCIAIS (ESTADO AMPLIADO) PARA SEREM EXPRESSOS NA LEI (ESTADO RESTRITO) E POSTERIOR EFETIVAÇÃO POR MEIO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE INTERVENÇÃO ESTATAL (ESTADO RESTRITO) NAS RELAÇÕES SOCIAIS E NA SOCIEDADE CIVIL (ESTADO AMPLIADO).


TECENDO EM REVERSO – DE QUE MANEIRA E QUANDO EFETUA-SE A LEGISLAÇÃO PARA A EDUCAÇÃO ESPECIAL BRASILEIRA?


DOUGLAS CHRISTIAN FERRARI DE MELO – PRECISAMOS ENTENDER O PROCESSO HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL, INCLUINDO O APORTE LEGAL QUE A SUSTENTA, ESPECIALMENTE APÓS A CONSTITUIÇÃO DE 1988. POR ISSO, É NECESSÁRIA A CONSTRUÇÃO DOS SEUS NEXOS, DEMONSTRANDO O SENTIDO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NESTA ÁREA COMO EIXO ORIENTADOR DAS RECENTES TRANSFORMAÇÕES OBSERVADAS NA ATUAL CONJUNTURA. POR EXEMPLO, O TERMO “PREFERENCIALMENTE”, PRESENTE EM QUASE TODA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA SOBRE EDUCAÇÃO ESPECIAL, ABRE ESPAÇO PARA CLASSES E ESCOLAS ESPECIAIS, ESPAÇOS QUE, SE NÃO FOREM BEM TRABALHADOS E COM LIMITES DE ATUAÇÃO, PODEM GERAR FORMAS SEGREGADAS DE ENSINO. DADA A SUA IMPORTÂNCIA – QUE VAI ALÉM DOS ASPECTOS FILOLÓGICOS OU SIMPLESMENTE TÉCNICOS E ATINGE, POR EXEMPLO, O TIPO DE POLÍTICA E FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL –, A INCORPORAÇÃO OU NÃO DE TAL PALAVRA TRAVOU O DEBATE ENTRE AS INSTITUIÇÕES ESPECIALIZADAS E OS ADEPTOS DA INCLUSÃO NA ESCOLA COMUM DURANTE A APROVAÇÃO DA META 4 DO PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO (PNE) PARA OS PRÓXIMOS DEZ ANOS (BRASIL, 2014).EM BALANÇO HISTÓRICO, AO MESMO TEMPO EM QUE A LEGISLAÇÃO AVANÇA NA DEFINIÇÃO DO PÚBLICO-ALVO OU NA AFIRMAÇÃO DA PROPOSIÇÃO POLÍTICA EM FAVOR DA EDUCAÇÃO DESSE PÚBLICO DE FORMA TRANSVERSAL E ARTICULADA COM O ENSINO COMUM, TAMBÉM EMPACA, AO ABRIR ESPAÇOS PARA A ATUAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES ESPECIALIZADAS NO ÂMBITO EDUCACIONAL, ESPECIALMENTE, NO ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO. ESSA AMBIGUIDADE COM RELAÇÃO ÀS RESPONSABILIDADES DOS SISTEMAS DE ENSINO COM A EDUCAÇÃO ESPECIAL É UMA PRESENÇA CONSTANTE NOS DOCUMENTOS OFICIAIS. TENDO POR BASE O REFERENCIAL GRAMSCIANO, ESSE ASPECTO DEMONSTRA OS MOVIMENTOS DE MARCHA E CONTRAMARCHA SOB OS DESÍGNIOS DOS JOGOS DE PRESSÃO DENTRO DA CORRELAÇÃO DE FORÇAS E DO CAMPO DE DISPUTA PRESENTE NO ESTABELECIMENTO DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO LIGADO À EDUCAÇÃO ESPECIAL.


TECENDO EM REVERSO – AO LEVANTAR DADOS EM QUATRO MUNÍCIPIOS DA GRANDE VITÓRIA –ES O QUE VOCÊ PODE CONCLUIR EM RELAÇÃO À REALIDADE APRESENTADA NO ÂMBITO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL?


DOUGLAS CHRISTIAN FERRARI DE MELO – AO FAZER ESSA INVESTIGAÇÃO, PUDE PERCEBER QUE AS MUDANÇAS POLÍTICAS NOS MUNICÍPIOS DIFICULTARAM OU INVIABILIZARAM O REGISTRO SISTEMATIZADO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DESTINADAS ÀS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA VISUAL. O POUCO REGISTRO LEGAL RELACIONADO COM A EDUCAÇÃO ESPECIAL PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA VISUAL É UM EXEMPLO DESSA CONDIÇÃO, O QUE DIFICULTA O TRABALHO DOS HISTORIADORES DA EDUCAÇÃO. E MESMO ONDE AS POLÍTICAS PÚBLICAS DIRECIONADAS PARA AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA FORAM REGISTRADAS EM DOCUMENTOS TÉCNICOS NÃO FICARAM LIVRES DAS INTEMPÉRIES POLÍTICAS. POR ISSO, MESMO REGISTRADAS NESSES DOCUMENTOS TÉCNICOS, ESSAS POLÍTICAS PÚBLICAS NÃO ESTÃO GARANTIDAS, EXIGINDO UM PROCESSO DE LUTA CONSTANTE QUE PASSA PELA ASSUNÇÃO DA NECESSIDADE AO DIREITO, SUA INSTITUCIONALIZAÇÃO POR MEIO DA INSCRIÇÃO LEGAL E A IMPLEMENTAÇÃO, MAS, TAMBÉM, E TÃO IMPORTANTE QUANTO, A MANUTENÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS.
ESPECIFICAMENTE SOBRE A ÁREA DA EDUCAÇÃO PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA VISUAL, FOI POSSÍVEL PERCEBER UMA NATURALIZAÇÃO DA PRÁTICA PEDAGÓGICA DESENVOLVIDA COM ESSES ALUNOS. ESSAS PRÁTICAS ESTÃO CRISTALIZADAS, FOSSILIZADAS. É COMO SE NÃO EXISTISSEM OUTRAS NECESSIDADES/DEMANDAS A SEREM TRABALHADAS, OUTRAS AÇÕES A SEREM DESENVOLVIDAS, E MESMO ESSAS NÃO PRECISARIAM SER QUESTIONADAS, TRANSFORMADAS, RECONFIGURADAS. PROPONHO QUE ESSA DESFOSSILIZAÇÃO PASSA PELO ANÚNCIO DE UMA TEORIA PEDAGÓGICA QUE DIALOGUE COM A ÁREA, TRAZENDO NOVOS PROBLEMAS, NOVAS ABORDAGENS, NOVOS MÉTODOS, NOVAS REFLEXÕES, MAS, ACIMA DE TUDO, NOVAS TRANSFORMAÇÕES. ACOMPANHANDO O REFERENCIAL TEÓRICO, APONTO A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL E A PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA, AMBAS DE BASE MARXISTA, COMO A POSSIBILIDADE DESSA TEORIA PEDAGÓGICA. ALÉM DISSO, DIALETICAMENTE, DEFENDENDO O ESTABELECIMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO ESPECIAL QUE BUSQUEM ARTICULAR O MOVIMENTO DO PARTICULAR E DO GERAL QUE MARCAM A REALIDADE CONTRADITÓRIA. SÃO REFLEXÕES QUE RELACIONAM O QUE É PRÓPRIO E O QUE É GERAL, POIS É PRECISO PERCEBER A ESPECIFICIDADE/SINGULARIDADE QUE NÃO PODEM FICAR DISSOLVIDAS NO GERAL, NEM, TAMBÉM, NÃO SE PODE VÊ-LAS ISOLADAMENTE. PARTICULARMENTE, COM RELAÇÃO ÀS POLÍTICAS PÚBLICAS, ARTICULANDO AS POLÍTICAS UNIVERSALISTAS COM AS ESPECÍFICAS.


TECENDO EM REVERSO – DE QUE FORMA O “TERCEIRO SETOR” ATUA NA EDUCAÇÃO ESPECIAL BRASILEIRA NA CONTEMPORANEIDADE?


DOUGLAS CHRISTIAN FERRARI DE MELO - À LUZ DA LEITURA DE GRAMSCI SOBRE A SOCIEDADE CIVIL, RESSALTEI QUE AS INSTITUIÇÕES ESPECIALIZADAS FAZEM PARTE DO ESTADO, POIS ESTÃO INSERIDAS NA SOCIEDADE CIVIL EM RELAÇÃO DIALÉTICA COM A SOCIEDADE POLÍTICA. POR ISSO, FICA MAIS FÁCIL ENTENDER POR QUE ESSAS INSTITUIÇÕES “GANHARAM” A CENTRALIDADE DA EDUCAÇÃO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, PRINCIPALMENTE, QUANDO SE OBSERVA O PROTAGONISMO DAS REDES MUNICIPAIS DE ENSINO NOS ÚLTIMOS ANOS EM RELAÇÃO ÀS POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO ESPECIAL. PARA ASSEGURAR ESSA CENTRALIDADE, AS INSTITUIÇÕES ESPECIALIZADAS MANTÊM SEUS ESPAÇOS NA LUTA HEGEMÔNICA, COM REPRESENTANTES NA SOCIEDADE POLÍTICA (FUNCIONÁRIOS DO ESTADO, BUROCRATAS, MAGISTRADOS) E NA SOCIEDADE CIVIL, COM SEUS INTELECTUAIS ORGÂNICOS, A FIM DE TORNAREM A SUA IDEOLOGIA  DOMINANTE. POR ESSE PANORAMA, POSSO AFIRMAR QUE ACONTECEU (E AINDA ACONTECE) UMA “RESPONSABILIZAÇÃO DESRESPONSABILIZADA” DOS MUNICÍPIOS EM RELAÇÃO AOS ATENDIMENTOS DOS ALUNOS PÚBLICO-ALVO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL. EM QUE PESE O AUMENTO DA AÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, CONTINUA-SE APOSTANDO NAS INSTITUIÇÕES ESPECIALIZADAS, ENQUANTO ASSISTIMOS À PRECARIEDADE DOS SERVIÇOS PÚBLICOS. AINDA ESTÁ MUITO PRESENTE NO SENSO COMUM A VISÃO SOBRE A QUAL OS ALUNOS PÚBLICO-ALVO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL SÃO BEM MAIS ATENDIDOS EM INSTITUIÇÕES ESPECIALIZADAS, ENDOSSADAS PELO TERMO “PREFERENCIALMENTE”, EMBUTIDO NA LEGISLAÇÃO EDUCACIONAL BRASILEIRA. DESSE MODO, POR UM LADO, O ESTADO MANTÉM A PERTINÊNCIA DAS INSTITUIÇÕES, POR OUTRO, “GANHA” COM ESSES CONVÊNIOS, POIS, AOS OLHOS DA OPINIÃO PÚBLICA, ELE MANTÉM O ATENDIMENTO A ESSE PÚBLICO, MAS SEM A RESPONSABILIDADE DIRETA.


TECENDO EM REVERSO – SABE-SE QUE A PRECARIZAÇÃO DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO BRASIL JÁ SE ESTENDE HÁ TEMPOS. SEGUNDO SEUS ESTUDOS, COMO OCORRE A FORMAÇÃO PARA O PROFISSIONAL QUE ATUARÁ NA EDUCAÇÃO ESPECIAL?


DOUGLAS CHRISTIAN FERRARI DE MELO - NAS FORMAÇÕES NA ÁREA DA DEFICIÊNCIA REALIZADAS NOS QUATROS MUNICÍPIOS, VERIFICA-SE QUE OS TEMAS ESTAVAM, SOBRETUDO, LIGADOS ÀS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS, QUE CHAMEI DE UMA VISÃO PRAGMÁTICA E “PRATICISTA” DA DEFICIÊNCIA VISUAL, OU SEJA, O TRABALHO COM ATIVIDADES QUE SE DEDICAM, QUASE EXCLUSIVAMENTE, À LEITURA E ESCRITA EM BRAILLE, SOROBÃ E ÀS TÉCNICAS DE ORIENTAÇÃO E MOBILIDADE PARA OS ALUNOS CEGOS E À ESTIMULAÇÃO VISUAL E PRECOCE E TAMBÉM RECURSOS ÓTICOS E NÃO ÓTICOS PARA OS ALUNOS COM BAIXA VISÃO. INCLUSIVE ESSES ASPECTOS SÃO OS MESMOS QUE SÃO EXIGIDOS NOS PROCESSOS DE CONTRATAÇÃO PARA O PROVIMENTO DO CARGO. OU SEJA, A EDUCAÇÃO ESPECIAL NA ÁREA DA DEFICIÊNCIA VISUAL ESTÁ ATRAVESSADA DESDE O PROVIMENTO, PASSANDO PELA FORMAÇÃO, ATÉ CHEGAR ÀS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E AÇÕES IMPLEMENTADAS PELA PERSPECTIVA DA COMPENSAÇÃO BIOLÓGICA/SENSORIAL. DE VEZ EM QUANDO, É POSSÍVEL PERCEBER ALGUMA AÇÃO EM DIREÇÃO À PERSPECTIVA HISTÓRICO-CULTURAL.É COMO SE NÃO EXISTISSEM OUTRAS NECESSIDADES/DEMANDAS A SEREM TRABALHADAS, OUTRAS AÇÕES A SEREM DESENVOLVIDAS E MESMO ESSAS NÃO PRECISARIAM SER QUESTIONADAS, TRANSFORMADAS, RECONFIGURADAS. ALÉM DISSO, DE MODO GERAL, PRATICAMENTE, TODOS OS CURSOS E OS MODELOS ADOTADOS PRIORIZAM A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES ESPECIALIZADOS EM DETRIMENTO DOS PROFESSORES REGENTES, PEDAGOGOS E GESTORES DO ENSINO COMUM E, DESSA FORMA, CORRE-SE O RISCO DE CAIR, JUSTAMENTE, NA ARMADILHA SISTEMA PARALELO DE ENSINO.