quinta-feira, 10 de julho de 2014

Talita Bordignon

A pesquisadora Talita Bordignon é graduada em História pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP, campus Franca (2008). Tem mestrado em Filosofia e História da Educação pela Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP. Atualmente é doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos (UFScar) e leciona na rede estadual de ensino do Estado de São Paulo.
Sua dissertação de mestrado defendida em 2012 teve como orientador o Prof. Dr. José Luis Sanfelice e abordou o seguinte tema: As ações do Estado Brasileiro para o desenvolvimento do ensino industrial no Brasil (1946-1971).
Em entrevista concedida ao Tecendo em Reverso a pesquisadora discorreu  sobre este trabalho.
Ao final da entrevista, o leitor terá acesso ao link da dissertação para a leitura na íntegra.
O blog Tecendo em Reverso parabeniza a pesquisadora Talita Bordignon por esta relevante contribuição para a Educação brasileira.

                                                                                                  Foto: Arquivo pessoal da pesquisadora.





Tecendo em Reverso- Como ocorreu a percepção da necessidade de pesquisar: “As ações do Estado Brasileiro para o desenvolvimento do ensino industrial no Brasil (1946-1971)”?


TALITA BORDIGNON – Inicialmente senti que seria importante analisar os “Acordos MEC-USAID” para a educação profissional. Estes convênios são bastante “famosos” e envolvem questões caras à educação brasileira: o Brasil consentiu a interferência estadunidense em várias áreas, inclusive na Educação. Isto significa que nos deixamos moldar conforme o ideal de mundo capitalista que, na década de 1960 estava representado na figura dos Estados Unidos da América. Ou seja, o Estado brasileiro – articulado ao governo norte-americano – agiu de forma a desenvolver um tipo muito específico de cidadão-trabalhador. Para os governos que atuaram entre 1946 e 1971, as escolas técnicas eram as instituições responsáveis pela formação da grande massa de trabalhadores que faria o país rumar ao desenvolvimento e ao progresso. Estes trabalhadores deveriam, inclusive, ter sua conduta moral ditada pelas fábricas – e pelas escolas que formavam os trabalhadores para elas. Assim se garantiria que a nação brasileira pudesse se desenvolver economicamente.
No entanto, ao analisar os documentos que foram divulgados como Acordos MEC-USAID para o ensino industrial, confirmamos que, na verdade, estes convênios foram firmados com o Banco Interamericano para o Desenvolvimento (BID) e não com a United States Agency for International Development (USAID). Na procura por fontes documentais, nos deparamos com os Boletins da CBAI, uma publicação mensal de responsabilidade da Comissão Brasileiro-Americana para o desenvolvimento do Ensino Industrial (CBAI). Neste periódico estão expostos, claramente, quais eram os objetivos dos governos e da classe de industriais que participavam da gestão dos recursos que deveriam ser aplicados no ensino técnico-industrial brasileiro do período. Ali se expõe como se delinearam, portanto, as ações do Estado brasileiro para este ramo de ensino.


Tecendo em Reverso -De que forma os acordos MEC- USAID influenciaram a educação brasileira?


TALITA BORDIGNON – Os governantes brasileiros, quando buscaram ajuda financeira para realizar o que julgavam necessário, se dispuseram a alinhavar os montantes à ideologia do bloco que o emprestavam. Ou seja, os convênios transplantaram a ideologia capitalista estadunidense para a cultura e a sociedade brasileira – por meio das escolas, dos livros, dos educadores de lá que vinham para cá e dos educadores brasileiros que frequentaram cursos em território norte-americano. Não se pode esquecer que naquele contexto de Guerra Fria, estavam se digladiando dois blocos antagônicos: de um lado a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), representando o comunismo e de outro, os Estados Unidos da América, em defesa do capitalismo. Os EUA, como não poderia deixar de ser, agiram de todas as maneiras para assegurar a implantação do capitalismo em todo o mundo – inclusive emprestando valores para o desenvolvimento dos países cujos governos apresentavam inclinações à sua maneira de enxergar o mundo, como é o caso do Brasil.


Tecendo em Reverso - Em que medida a organização da escola, como lemos na sua dissertação, acompanhou “a movimentação do capitalismo internacional”?


TALITA BORDIGNON – Veja... as escolas ambicionavam formar cidadãos que se comportassem e pensassem de acordo com os ditames do capitalismo. Isto significa que, enquanto cidadãos a serviço do país onde vivem, deveriam trabalhar sem fazer maiores questionamentos à ordem. Não era importante que organizassem a produção coletivamente, por exemplo; era mais relevante que realizassem as tarefas que lhe são impostas, individualmente. As escolas técnicas orientavam os alunos – futuros cidadãos-trabalhadores – a agirem e se comportarem desta maneira. Não havia necessidade de pensar; apenas realizar tarefas isoladas para elevar o país à condição de potência econômica. Afinal de contas, quando se adota a divisão social do trabalho, se garante maior produtividade. Neste sentido, quaisquer ações que favorecessem  a  organização  do  mundo  do  trabalho  e orientassem a consolidação do capitalismo seriam bem-vindas: os princípios tayloristas de racionalização do trabalho embalaram os rumos do ensino técnico industrial e do cotidiano das fábricas. Isto é, cada trabalhador deveria ser responsável por apenas uma determinada tarefa na produção daquele produto e as escolas técnicas eram as instituições onde se ensinava isto.


Tecendo em Reverso - Como se deu à época a atuação da burguesia nacional atrelada ao grande capital?


TALITA BORDIGNON – A burguesia internacional associou-se à nacional para gerir os recursos advindos dos Estados Unidos e do Brasil. A burguesia de ambos os países está personificada na figura da CBAI: para administrar os valores, foi criada a comissão que, por sua vez, era formada por membros dos dois países. Muito além de financiar,  os convênios  se  encarregaram  de  transformar  a  vida  e  a  cultura  da  sociedade  brasileira, isto é, a cooperação internacional articulou os níveis econômico, político e cultural. Ademais, esta troca não teria se dado se as elites não estivessem dispostas a consenti-la.  Em nome do desenvolvimento, as  classes  dominantes  fizeram  da  cooperação  bilateral  a justificativa para associar o seu capital ao internacional.  Pode-se falar em  agentes  sociais  que  procuravam  modernizar  conservando  a ordem, principalmente após o golpe civil-militar do Movimento de 1964.



Espaço da pesquisadora: Desejo ter contribuído para a reflexão acerca dos acordos internacionais que o Brasil fez e continua fazendo para a educação. Atingir índices pré-fixados por organismos internacionais e seguir e adotar pedagogias vazias de sentido nem sempre é uma alternativa válida. O que deu certo em outros países, não é garantia de sucesso para a educação brasileira.






Juliana Gobbe


quinta-feira, 3 de julho de 2014

Adailton Alves Teixeira

Adailton Alves Teixeira é Diretor, ator, palhaço e professor de teatro. Graduado em História pela UNICSUL; mestre em Artes - Área de Concentração: Artes Cênicas, pelo Instituto de Artes da UNESP, com a pesquisa sobre o território e a identidade como norte do processo de criação para o teatro de rua. É membro fundador do grupo Buraco d`Oráculo, do Movimento de Teatro de Rua de São Paulo, da Rede Brasileira de Teatro de Rua e do Núcleo Brasileiro de Pesquisadores em Teatro de Rua.

Foto: Arquivo pessoal do artista.


Tecendo em Reverso - Em quais circunstâncias se deu a criação do Buraco d’Oráculo? Qual é o referencial estético do grupo?

ADAILTON ALVES TEIXEIRA – O grupo surgiu em 1998 em um projeto coordenado por João Carlos Andreazza, na Oficina Cultural Amácio Mazzaropi; tratava-se da criação de um núcleo de teatro de rua, com aulas de interpretação, expressão corporal, criação musical etc. e ao terminar uma montagem teatral. Teve a duração de dez meses. Esses processos quase não se veem mais...
Depois o grupo passou por outro projeto, o Ademar Guerra, sendo orientado por Ednaldo Freire, diretor da Fraternal Cia. De Artes e Malas-Artes. Esses dois processos são fundantes e fundamentais na história do grupo. O primeiro mostrou a rua como possibilidade cênica e o segundo nos aproximou da estética popular, consequentemente, de um público que não frequentava as salas de espetáculos.


                                                           Foto: Divulgação


Tecendo em Reverso - Suas pesquisas na Unesp direcionavam-se pelo viés do “território e a identidade como norte do processo de criação para o teatro de rua”. Como você avalia a atuação dos coletivos artísticos atualmente nas ruas das grandes cidades?

ADAILTON ALVES TEIXEIRA – Os coletivos de teatro de rua são essenciais nos grandes centros urbanos e também nas pequenas e médias cidades, por muitos motivos. Destaco alguns: a possibilidade de acesso da arte teatral; a ressignificação dos espaços públicos abertos, o que faz com que os cidadãos se relacionem com sua cidade de outra maneira, criando afetividade com os locais das apresentações; nas cidades pequenas, em geral, não há edifícios teatrais, então aí, a praça torna-se fundamental como local de encontro e das trocas simbólicas.
Hoje, cada vez mais é preciso olharmos com atenção a questão do território, na medida em que a própria cidade se torna uma mercadoria, então a arte entra também na disputa de que cidade se deseja, que se quer. E, claro, isso também acaba norteando, influenciando os processos de criação dos grupos. Mas não tem sido fácil, na medida em que a cidade entra na lógica mercadológica, começa a perseguição aos artistas populares e temos visto isso ocorrer em diversas cidades grandes e pequenas, bem como em metrópoles como Rio de Janeiro e São Paulo. A disputa pelo espaço é diária. Então, entender o que é território na atualidade é importante tanto para quem faz arte, quanto para aqueles que apenas se relacionam com ela, que fruem.

                                                            Foto: Divulgação

Tecendo em Reverso - Como foi concebida a “Ópera do Trabalho”?

ADAILTON ALVES TEIXEIRA – Ópera do Trabalho é o último espetáculo do Buraco d`Oráculo, criado em 2013, mas que vem de um processo anterior. No grupo, um projeto acaba desencadeando no seguinte, isto é, uma determinada pesquisa que estamos realizando, seja teórica ou estética, acaba sempre tomando outros desdobramentos. Isso ocorreu com a Ópera do Trabalho. O grupo vinha pesquisando a história de algumas comunidades do extremo leste da cidade de São Paulo para a construção de outro espetáculo, isso nos levou a questão da precarização do trabalho na contemporaneidade. Por outro lado, a música sempre esteve presente em nossos estudos e queríamos verticalizar essa pesquisa. Então aliamos essas duas pesquisas, ao mesmo tempo em que abrimos espaço para outras pessoas, isto é, criamos oficinas de formação para criarmos um espetáculo com mais pessoas além dos integrantes do grupo.
Todo o processo foi coletivo, como tem sido tudo o que temos feito, pessoas do projeto e mesmo de fora contribuíram com criações, dicas, conversas, críticas... É um espetáculo em que a dramaturgia está organizada pela música, o que é um caminho novo para o grupo e, em certa medida, no teatro de rua. A experiência de um teatro musical não é nova, já foi muito experimentada, mas na rua, não se sabe de muitas experiências nesse sentido. Então estamos colhendo as dores e as alegrias desse processo.

                                                     Foto: Divulgação

Tecendo em Reverso - Qual é a influência de Brecht no teatro épico brasileiro?

ADAILTON ALVES TEIXEIRA – Embora Brecht tenha chegado ao Brasil pela via comercial, mas uma ideia fora do lugar como tantas outras, rapidamente ele é apropriado pelo Teatro de Arena, que começa a experimentar e a disseminar as proposições do teatro épico. Hoje, todos os grupos utilizam procedimentos épicos, ainda que não sejam, necessariamente, brechtianos, ou seja, os grupos utilizam procedimentos estéticos característicos do teatro épico estudados por Brecht e Piscator, mas não necessariamente fazem um teatro em que a função social está em seu horizonte, isto é, nem sempre há preocupação com o desvelamento da sociedade em que vivemos.
Quanto ao teatro de rua, este é épico por definição, na medida em que não é possível fazer um teatro de rua fechado, sem relação direta com o público, etc., mas isso não significa também que todo teatro de rua desenvolva propostas cênicas preocupados com o tempo presente e nossas relações sociais. Nesse sentido, a importância de Brecht vem no sentido de mostrar como olharmos a sociedade, as relações sociais em que estamos todos envolvidos. A rua, nesse sentido, ganha outra importância, pois está em um espaço, em tese, de todos. O teatro que se coloca aí precisa ter a consciência da importância da disputa do imaginário das pessoas que se deparam com a obra artística.


Conheça o trabalho do artista:




Juliana Gobbe