sábado, 20 de dezembro de 2014

O pesquisador Gilberto César Lopes Rodrigues fala sobre o lançamento do seu livro pela editora da Unesp.

Por Juliana Gobbe



O pesquisador Gilberto César Lopes Rodrigues é licenciado em Filosofia pela Unesp – Marília SP e mestre em Filosofia também pela Unesp. Atualmente é professor no programa de educação da Universidade do oeste do Pará e doutorando do PPG em Educação da Unicamp com projeto de pesquisa sobre Educação Indígena e Pedagogia Histórico-Crítica.
Nesta entrevista, o pesquisador discorre sobre seu livro In-Form-Ação.



                                                        Foto: Arquivo pessoal do pesquisador.



Tecendo em Reverso – Como foi concebido o livro In-Form-Ação?

GILBERTO CÉSAR LOPES RODRIGUES - Bom, esse livro resulta da pesquisa de mestrado que realizei junto ao Programa de Pós-graduação em Filosofia da Universidade Estadual Paulista (UNESP) de Marília no período de 2006 a 2009. Apesar do título induzir o leitor a pensar que o livro é sobre computação ou comunicação ele é, na verdade, sobre Filosofia. Mais precisamente sobre Filosofia da Ação ou, como ficou conhecido no Brasil, Filosofia da Mente. Nele, apresento um exame da pertinência do conceito contemporâneo de informação para explicar a ação como alternativa ao paradigma causal-mecanicista.
O livro foi estruturado em quatro capítulos. No primeiro faço um percurso na história da filosofia destacando o modo pelo qual a causalidade penetra nessa área do saber e se instala como um paradigma sobre o qual as explicações, sobretudo científicas, deveriam ser fundamentadas para serem satisfatórias. Exploro mais detidamente as considerações de Aristóteles e Hume sobre causalidade. Depois examino os limites que as considerações sobre causalidade desses dois autores enfrentam quando empregadas no domínio da ação humana. Isto porque a ação, diferentemente do comportamento mecânico, engendra uma intencionalidade que a direciona. O resultado da ação de algum modo retroage sobre o agente mantendo ou modificando o conteúdo da intencionalidade (significado) para futuras ações que demandarem intencionalidade semelhante. Este movimento pressupõe uma circularidade e um conteúdo significativo no domínio da ação. As explicações causais de cunho mecanicistas tem dificuldade de considerar estes dois aspectos.
No terceiro e quarto capítulos examino a pertinência dos estudos contemporâneos sobre informação para suplantar as dificuldades que levantei sobre a causalidade no domínio da explicação da ação intencional. Aí vou deixar para os leitores a curiosidade aberta sobre o que tem informação a ver com a ação intencional e também quais os limites que ela enfrenta nesse domínio.
Outra coisa que acho interessante compartilhar é que o livro está disponível gratuitamente para download no site da editora da Unesp. Saber que seria gratuito e disponibilizado universalmente para download me incentivou a transformar a dissertação em livro.


Tecendo em Reverso - De onde vem o título In-Form-Ação?

GILBERTO CÉSAR LOPES RODRIGUES - Na verdade o título completo do livro é “In-Form-Ação: do paradigma causal ao paradigma informacional na explicação da ação”. Achei pertinente separar a palavra informação nas três partes que a compõe para sugerir ao leitor uma noção de movimento e processo que essas partes conferem ao serem separadas e relacionadas com ação. Ou seja, a ação intencional seria orientada, conformada (Form), constrangida, por dados, padrões, hábitos que re(construímos) (In) que de algum modo utilizamos para orientar nossos comportamentos tornando-os intencionais (Ação). E a esse processo informativo, poderíamos chamar de processo de construção do significado.  Não é uma tese nova nem complexa. Diria tratar-se de algo meio óbvio. Acho que o grande passo que dei, mas que ficou meio incompleto, foi trazer a ação para o centro do processo de significação. Parece redundância, mas há uma forte tradição na filosofia que em última instância recai no idealismo do tipo transcendental ao explicar o processo de significação. Entendo que recai nesse tipo de explicação as teorias sobre a natureza do significado que não colocam a ação concreta de agentes incorporados e situados em um ambiente ao qual co-evolue, que lhe é inerentemente significativo, e do qual é parte imanente, no centro das considerações sobre o processo de significação. Os matemáticos em geral são mestres em recair nesse típico desvio.


Tecendo em Reverso - Você disse que ficou meio incompleta a abordagem da ação que utilizou. O que faltou?

GILBERTO CÉSAR LOPES RODRIGUES - Bem, na época do mestrado, muito pela boa influência do grupo de estudo que participava, utilizei o filósofo estadunidense Charles Sanders Peirce para mostrar como a ação era central no processo de significação, assim como faz esse filósofo. No entanto o que acho que faltou foi incorporar o Materialismo Histórico Dialético em minhas análises. Mas isso não deu pra fazer porque não pertencia ao universo de minhas preocupações à época, também não daria tempo considerando o insatisfatório período de mestrado permitido pela CAPES para pesquisas mais profundas e o marxismo não era tema do grupo de pesquisa apesar de notar em minha orientadora certa admiração por Marx.


Tecendo em Reverso - Qual a relação entre o marxismo e seus estudos sobre informação?

GILBERTO CÉSAR LOPES RODRIGUES - Bem, vou falar sobre isso de modo geral e considerando o marxismo como sinônimo de materialismo histórico dialético e o que prevejo de relação entre eles, lembrando que não explorei essa relação no livro. Veja bem, entendo a ação como um processo que se estende no tempo abarcando elementos filogenéticos e ontogenéticos que se reforçam ou modificam no embate com o real concreto na medida de sua pertinência como orientadores dos movimentos dos agentes no ambiente.  Esses elementos em relação com os agentes possibilitam os significados, tanto os já produzidos historicamente pela humanidade (filogenéticos) como sua reconstrução (ou criação de novos) no indivíduo (ontogenético). O centro desse processo de (re)construção dos significados é a práxis. Outro elemento importante que o marxismo possui é considerar humano e natureza como pertencentes a uma mesma totalidade inseparável. Não tem nenhuma abertura para atribuir transcendentalidade ao significado, nem mesmo as representações que construímos mentalmente sobre o real. Não significa dizer que não há uma dimensão mental no marxismo. Há. Mas ela pertence ao domínio da natureza. Esse domínio se constrói pelo trabalho (no sentido marxista), pelo movimento de transformar o concreto real em concreto pensado e possibilitar a adaptação da natureza às necessidades humanas. Na medida em que adaptamos a realidade às nossas necessidades, humanizamo-nos. Esta dinâmica é o processo de significação. Sem essa âncora no real concreto abre-se espaço para um idealismo alienante que pouco contribui para a constituição de ações transformadoras da realidade concreta no sentido da emancipação humana. Emancipação no sentido de superação da sociedade alienante que vivemos sob a batuta do modo de produção capitalista e em direção a uma realidade plena de sentidos.


Tecendo em Reverso – Nota-se pelo seu currículo que ultimamente você tem se dedicado as pesquisas na área da educação, particularmente à educação escolar indígena. Qual a relação desse novo tema de pesquisa com o tema que deu origem ao livro?

GILBERTO CÉSAR LOPES RODRIGUES - Pois é. Aqui novamente o marxismo e a centralidade da práxis são fundamentais. Marx, escrevendo com Engels as teses sobre Feuerbach, em certa altura esbraveja que os filósofos até aquele momento se dedicaram a interpretar o mundo, e que isso, para ele, passara a ser uma questão escolástica. Depois dessa constatação ele adverte que é necessário transformar o mundo, que já estamos cheios de interpretação. Esse pensamento de certa forma me acordou e me fez considerar que até hoje parece ser assim. Senti-me, na filosofia, como um pesquisador que estava caminhando para a escolástica. Por outro lado, quando entrei para a universidade como docente, fui para a área de educação, em um programa de Pedagogia no interior da Amazônia. Recebi dezenas de alunos indígenas e comecei a trabalhar mais detidamente com eles questões da filosofia da educação, sobretudo se havia uma filosofia da educação indígena. Pesquisei varias realidades indígenas e notei que antes de ter ou não filosofia da educação indígena, eles estavam lutando por implantação de educação escolar. No entanto, descobri que a educação escolar em implementação é de baixíssima qualidade, altamente precarizada e pouco se coaduna aos interesses dos indígenas por escola. Naturalmente me questionei: qual o papel da educação escolar estatal precarizada no interior das sociedades indígenas? Bem, tendo em vista que a escola é um instrumento informativo, na medida em que formata a ação dos indivíduos para agir de certo modo na sociedade, não foi difícil responder que a educação escolar operava como (re)produtora da cultura dominante naquelas sociedades (processo informativo). No entanto, constatei que, contraditoriamente, mesmo tendo uma escola altamente precarizada e reprodutora dos valores da cultura nacional hegemônica, os indígenas lutam por escola e constatei que elas trazem benefício a eles. Tendo esse quadro no horizonte, a práxis marxista como elemento de transformação de um lado, e estar em um programa de educação, de outro, decidi por pesquisar alguma alternativa pedagógica para sugerir às escolas indígenas da região que trabalho. Por isso estou me doutorando no grupo de pesquisa que tem na Pedagogia Histórico-crítica um de seus eixos. A ligação com o tema do mestrado é entender que nossas ações são aprendidas e que elas podem ser orientadas externamente em uma relação de alienação ou podem ser realizadas de modo consciente, transformador e com emancipação. Para construir tanto um tipo de ação como o outro, a escola tem papel importante como instrumento in-form-ativo(ação). Ela molda a ação no mundo através de um processo informativo. Mas há no interior desse processo, imanente a ele, as tensões, as disputas, a resistência. Esse lado pode ser explorado através de uma teoria pedagógica que busque a emancipação humana em direção a uma sociedade plena de sentidos.


Tecendo em Reverso - Voltando ao conteúdo do livro, você o termina afirmando que os estudos contemporâneos sobre informação podem ter produzido um efeito importante na filosofia. Fale um pouco sobre isso.

GILBERTO CÉSAR LOPES RODRIGUES - Essa concepção de que a introdução de estudos em informação na filosofia significou uma reviravolta importante, da qual eu concordo, foi sistematizada por Frederick Adam. Para entender essa importância é preciso ir além do significado corriqueiro de informação, sobretudo a versão da teoria matemática da comunicação, que a considera como dados, sinais, bits, inputs e outputs desprovidos de significado. Estes seriam construídos internamente pelos sistemas vivos (ou artificiais) capazes de significá-los. Não concordo com este processo e aponto os motivos na última seção do terceiro capítulo do livro. Entendo que informação é um processo entre agente (não necessariamente humano) e ambiente (contexto) que não se reduz nem a um nem a outro, mas que não existe sem um desses lados. Deste processo resultam padrões, regularidades, hábitos que se armazenam no ambiente ou no agente que orientarão ações. Por exemplo: ao caminhar por um lugar desconhecido os rastros que se formam na relação entre o agente e o ambiente podem orientar o caminho de volta. O processo todo é informativo. Assim, informação não é um substantivo fixo. É um processo que ocorre o tempo todo com todos os agentes da natureza. Essa abordagem simplifica problemas clássicos da filosofia como a relação mente-corpo, a natureza da cognição, o processo de significação, a natureza das representações mentais, etc. Por isso a introdução dos estudos contemporâneos sobre informação pode representar uma virada informacional de grande monta na filosofia.






Confiram o livro neste link: