terça-feira, 15 de março de 2016

Evandro Medeiros

Nos últimos anos o Brasil assiste a uma expansão do cinema documentário. Ali e acolá vão surgindo nomes que aos poucos ganham espaço em meio aos filmes comerciais.
O nosso entrevistado Evandro Medeiros é diretor e ao mesmo tempo produtor de seus filmes. Em sua carreira estão presentes: Dezinho: Vida, Sonho e luta, Ubá, um massacre anunciado e, mais recentemente Escola Quilombo.
O diretor tem como foco em seus filmes as questões sociais tão caras ao norte e nordeste do país. Com sensibilidade afastada da pieguice com que são tratados temas como estes, nos filmes de Evandro vislumbramos a poesia de trechos oriundos da tristeza que emana do real.
Evandro Medeiros também é Professor na Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará [UNIFESSPA] e organizador do Festival Internacional Amazônida de Cinema de Fronteira.




                                                                                                            Foto: Arquivo pessoal do diretor.

Tecendo em Reverso - Quais são as diretrizes pedagógicas que orientam o trabalho do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação do Campo [ Campus Universitário de Arraias – UFT]?

EVANDRO MEDEIROS – O Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação do Campo [UFT – Campus de Arraias] faz parte de uma rede nacional de pesquisa em Educação do Campo, vinculados ao Programa Observatório da Educação do Campo da Secretaria de Educação para Diversidade [SECADI – MEC] e a CAPES. De modo geral o grupo tem como objetivo levantar dados sobre as escolas rurais, suas condições materiais, práticas pedagógicas, formação dos professores, experiências curriculares, etc. De modo a produzir possibilidades de diálogo sobre tal realidade no âmbito dos cursos de licenciatura e secretarias de educação, colocando em debate os problemas enfrentados e inovações criadas pelos professores, alunos e comunidades das escolas pesquisadas, para que assim possamos criar movimentos de elaboração de políticas educacionais que ajudem na transformação da realidade destas escolas.

Tecendo em Reverso – Como se deu a concepção do documentário “Escola Quilombo”?

EVANDRO MEDEIROS – O documentário foi pensado como mais um instrumento de enriquecimento da pesquisa, que pudesse ajudar na captação das falas-imagens de professores, alunos e comunidades sobre a realidade e cotidiano pedagógico das escolas rurais em área de quilombo no município de Arraias-To. Enriquecedor da pesquisa porque é um instrumento de apelo antropológico, pois registra a realidade observada pelos pesquisadores e a descreve por meio das imagens de vídeo de modo a permitir que os espectadores possam entrar na realidade pesquisada e construir suas próprias percepções sobre ela, ao passo que sentem tal realidade pelas falas, gestos e emoções manifestas pelos depoentes enquanto narram as questões relativas a escola e a vida na comunidade. Então, pensando assim essa relação entre o filme e a pesquisa, de modo que os resultados da pesquisa fossem ilustrados para além de um mero relatório, desejando produzir dados-informações que pudessem alcançar um público mais amplo e de maneira dinâmica, acessível a todos, independentemente da escolaridade, lugar de vida e trabalho, é que nasceu a ideia de fazer o documentário Escola Quilombo. Em sua concepção estético-fílmica o documentário tem uma ordem simples: trabalhar com as narrativas de professores, alunos e comunidade de modo a mostrar a escola segundo a concepção de quem a vive e filmado a partir de uma convivência em meio ao cotidiano pedagógico da escola.

Tecendo em Reverso- Através desta produção quais foram as maiores dificuldades levantadas no cenário educacional do norte do país?

EVANDRO MEDEIROS – Pobreza, precariedade material, baixos salários e insegurança profissional , professores não são concursados, o personagem do filme trabalha faz 20 anos como contratado, falta de acompanhamento pedagógico, professores sem formação acadêmica, currículos padronizados pela perspectiva urbanocentrica, formação continuada descontextualizada e não pautada pelas demandas do professor, alunos e comunidade.




                                                                                          Evandro e Alexandra Duarte (Diretora de Fotografia).
                                                                                                                                                               Foto: Arquivo pessoal do diretor.

Tecendo em Reverso – Sabe-se que no Brasil há um lastro razoável de produções fílmicas documentais, no entanto, a escola brasileira ainda mostra problemas quando apresenta filmes em sala de aula. Muitas vezes os professores sentem-se despreparados para a preparação de um plano de aula que contenha filmes. Como você analisa este panorama?

EVANDRO MEDEIROS – De modo geral os professores brasileiros possuem uma fragilidade  profissional no que tange ao uso de tecnologias educacionais em geral,  do trabalho com computadores ao uso de filmes em suas aulas, estes muitas vezes são usados sem conexão devida com as demais atividades curriculares e aulas, acabam sendo atividades em si. No caso de material audiovisual muitas vezes acaba sendo o filme pelo filme, falta formação direcionada para isso, óbvio, mas falta também as secretarias de educação de estados e municípios acreditarem na importância pedagógica dos filmes e outros produtos artístico-culturais  e tecnológicos, fomentando a produção desses materiais e seu uso pedagógico, assim como fomentando a produção deles através da escola, da comunidade escolar. Vivemos uma tradição arcaica da “aula monológica e quadro de giz”, em que só o professor fala e as crianças copiam, algo intolerável num tempo de avanços científicos e tecnológicos, algo intolerável em comunidades de tanta riqueza cultural e histórias, falta criatividade e estimulo a criatividade, falta estimular os alunos ao protagonismo na produção de conhecimento. Isto ocorre porque os professores também não foram “ensinados” a serem protagonistas na produção de conhecimento e uso de tecnologias para tal fim. Os professores não foram empoderados como intelectuais de suas práticas, como faz o professor Adão, personagem do filme, talvez porque não querendo que as crianças passem por tudo aquilo que ele mesmo passou na infância e profissionalmente abandonado e isolado na comunidade, se sente impulsionado a ser senhor das soluções aos limites que a realidade lhe impõe.

Tecendo em Reverso- Percebe-se que a temática social se faz presente nas suas produções audiovisuais. O que o levou a esta escolha?

EVANDRO MEDEIROS – Minha história de vida, a história de minha mãe e tios, que na infância viveram realidades parecidas com as da comunidade quilombola apresentada no filme, a trajetória de luta deles para ter acesso a direitos e criar os filhos com mais qualidade de vida, a história das pessoas pobres dos lugares por onde morei, desde pequeno observando as realidades de injustiça, miséria, exclusão social, mortes por violência ou descaso do poder público e todo tipo de tragédia que abate principalmente aqueles que menos possuem condições de se defender. Essas experiências me formaram, forjaram minha sensibilidade estética, meu compromisso ético, minha perspectiva e personalidade profissional. Fui alfabetizador de adultos, trabalhei com meninos de rua, ministrei aula em escolas públicas de periferia, colaborei com a organização de agricultores sem terra, ajudei organizar projetos de escolas para jovens agricultores, me tornei professor de universidade e todas essas experiências somadas ao desejo de realizar uma prática artística me fizeram produtor audiovisual.


                                                         Filme: Escola Quilombo