terça-feira, 12 de abril de 2016

Ruy Medeiros - História Local e Memória: Limites e Validade.

Ruy Medeiros é Mestre e Doutor em Linguagem e Sociedade pela UESB. Graduado em Direito pela Universidade Católica de Salvador percorre pelas áreas de História do Direito, Direito do Trabalho e Movimentos Sociais.
Em sua mais recente obra: História Local e Memória: Limites e Validade publicada pela editora Librum o autor faz um amplo estudo tendo como mote a cidade de Vitória da Conquista (BA).

Confiram a entrevista:

                                                                                    Foto: Arquivo pessoal do autor.


Tecendo em Reverso - Como se dão os estudos sobre a história das localidades brasileiras?


RUY MEDEIROS – Isso ocorre com inúmeros obstáculos: dificuldade de acesso às fontes, ausência de aprofundamento metodológico (há certas especificidades do local – até mesmo saber o que é local – que devem ser observadas), dificuldade de destrinchar os nódulos que compõem o local, dispersão de arquivos ou falta desses. A história local, tem sido realmente local (isto é, escrita por não historiadores de ofício) e os acadêmicos de história preferem temas ao invés da história de um Município ou de uma região e isso dificulta o surgimento de modelos, importantes para a escrita da história.


Tecendo em Reverso - Quais foram as maiores dificuldades em se pesquisar a história local de Vitória da Conquista?


RUY MEDEIROS - Pesquisar a história de localidades (s) apresenta dificuldades. A maior delas é a escassez de fontes reunidas. Nem toda localidade possui arquivo público. Algumas possuem mero depósito de documentos. As fontes de origem privada escasseiam com a desagregação familiar e jornais nem sempre existem ou suas coleções são incompletas. A busca do local tem que ser feita igualmente em outros lugares, às vezes fora do Brasil. Há fontes valiosas para a História de Vitória da Conquista, em Portugal, Salvador, Belo Horizonte (neste último lugar, o APM), com documentos que interessam ao movimento de conquista do território.


Tecendo em Reverso - Sabe-se que no interior do Brasil há um grande número de cronistas locais que não tem formação de historiador. Qual a sua avaliação do trabalho deles e sua importância em relação aos registros textuais de determinada região?


RUY MEDEIROS - Os historiadores locais fazem sobretudo “memória” e nesse mister são importantíssimos. Para a História, geralmente são pontos de partida, com as informações que registram e com os documentos que transcrevem em seus livros. Há documentos que só nos chegaram a partir desses memorialistas. Alguns tiveram (têm) o cuidado de analisar, propor explicações, interpretar... Geralmente fazem trabalho marcadamente ideológico, mas o leitor saberá interpretá-lo e retirar de seus escritos muita coisa interessante. São laços de continuidade entre passado e presente.


Tecendo em Reverso - Em seu trabalho, lemos: "Forte é o mito que situa a origem do arraial donde Vitória da Conquista nasce: uma promessa aceita e atendida, ave Maria, gratia plena. O culto à Nossa Senhora da Vitória ou Santa Maria da Vitória, tem início quando o papa Pio V criou a festa de Nossa Senhora do Rosário para comemorar a vitória da frota cristã contra os turcos na batalha naval de Lepanto em 1751. Nossa Senhora da Vitória". Como se estabelecem as relações entre religião e fundação e qual a real importância da primeira sobre a segunda?


RUY MEDEIROS - Trata-se de uma relação complexa,  sobretudo num Estado não laico. Muitas cidades nasceram ou se desenvolveram em torno de um templo católico (fundação), o pensamento religioso estabelece mitos fundadores, a sociabilidade desenvolve-se no templo ou em seu redor, a igreja tece família (sacramento do matrimônio), compadrio (batizado), ajuda a reproduzir o poder, etc.  Em Vitória da Conquista, o mito fundacional da cidade é católico, há padres que foram chefes de família e proprietários rurais. Sobretudo o mito fundacional justifica poder e herança. O fundador de Vitória da Conquista aparece como aquele que foi agraciado por Nossa Senhora com a Vitória contra os nativos da região (mongoiós).


Tecendo em Reverso - Na perspectiva de historiador quais os dilemas que se encontram entre "história local" e "história universal"?


RUY MEDEIROS - Não há univocidade no termo história local. Com a expressão, designa-se a história de localidades escrita por não historiadores de ofício. Mas também se designa a história de localidade, de região ou de país, em oposição ao universal (universal, conhecimento a partir de ciência, ou história global, “do mundo”). O problema está em que ao tratar cientificamente o local, deve-se tratar o universal, porém em níveis ou aprofundamento diversos. Essa ligação pode aparecer forçada (como em alguns autores) ou como mero vínculo para não parecer que o local não está no mundo. Em certo sentido, toda história é universal (o homem no tempo) e isso conduz a que se investigue o próprio tempo, seu ritmo e demoras, na forma local. Como se diferencia o tempo social da vila daquele da metrópole! Dinâmicas internas e externas se complementam; onde e por que se encontram (na inteligência) implica não apenas em saber que existe um só mundo, onde estão os diversos habitats nodulados política, social e culturalmente, pois o local é uma realidade com articulações específicas e com o mundo. 



                                                                           Foto: DIvulgação

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